Vasos de Honra

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

CONFORTO CRISTÃO


Rev. Ivan G. G. Ross

A nossa leitura vem do Catecismo de Heidelberg, a pergunta e a resposta número um. Esse Catecismo foi formulado em 1563, aproximadamente 83 anos antes do Breve Catecismo da nossa Igreja Presbiteriana. Notemos que a ênfase desta pergunta introdutória nos aponta para o conforto espiritual do cristão. Outro ponto interessante nesse Catecismo é que todas as perguntas são dirigidas a um indivíduo no singular da terceira pessoa: “Qual é o seu conforto?”. E este sempre responde na primeira pessoa do singular: “O meu único conforto é”. Vamos ouvir a leitura do Catecismo para o nosso estudo.

Pergunta: “Qual é o seu único conforto na vida e na morte?”

Resposta: “O meu único conforto é que – corpo e alma, na vida e na morte – não pertenço a mim mesmo, mas ao meu fiel Salvador, Jesus Cristo, que ao preço de seu próprio sangue pagou totalmente por todos os meus pecados e me libertou completamente do domínio do pecado. Ele me protege tão bem que, contra a vontade de meu Pai, no céu, não perderei nem um fio de cabelo. Na verdade, tudo coopera para o meu bem e para a minha salvação. Portanto, pelo seu Espírito Santo, Ele me garante a vida eterna e me torna disposto a viver para Ele daqui em diante, de todo o coração”.

A fim de facilitar a compreensão da resposta, dividimos o assunto em quatro pontos acessíveis.

1. Conforto na Profissão. Estamos professando qual é o nosso conforto espiritual. “O meu conforto é que – corpo e alma, na vida e na morte – não pertenço a mim mesmo, mas ao meu fiel Salvador, Jesus Cristo”. Observamos o que o Catecismo está afirmando:

O nosso ser é composto de duas partes identificáveis: corpo físico e alma invisível. Em todas as nossas atividades e atitudes, essas duas partes estão presentes. Para amar o Senhor, nosso Deus, temos que usar essas duas partes; somos uma unidade. Com o corpo, realizamos os desejos da alma. Assim, somos exortados para apresentar o nosso corpo vivo, santo e agradável a Deus, que é o nosso culto racional (Rm. 12:1). Juntamente com o nosso corpo, manifestamos o desejo da nossa alma. “Servi ao Senhor com alegria (com o que a alma sente), apresentai-vos diante dele (corpo e alma) com cânticos” (Sl. 100:2). Culto a Deus sempre envolve a totalidade do nosso ser, corpo e alma.

E, semelhantemente, o nosso ser tem duas experiências: vida e morte; temos um início e teremos um dia final. Portanto, os interesses desta vida devem estar nos conduzindo e nos preparando para a morte que está se aproximando, inexoravelmente. Mas, depois da morte, o quê? E, assim como aos homens está ordenado a morrerem uma só vez, vindo depois disto, o juízo”(Hb. 9:27). Por causa da morte e do juízo vindouro, entendemos a razão da pergunta: “Qual é o seu único conforto na vida e na morte?”. Aquele que crê em Jesus Cristo como o seu Salvador, pode responder, confiantemente: “O meu único conforto  é que ... não pertenço a mim mesmo, mas ao meu fiel Salvador, Jesus Cristo”.  A nossa vida não está em nossas próprias mãos, que jamais poderiam nos salvar, mas, sim,  na mão do nosso fiel Salvador, que garantiu às suas ovelhas: “Eu lhes dou a vida eterna; jamais perecerão e ninguém as arrebatará da minha mão” (Jo. 10:28). Eis o conforto que temos em Cristo Jesus.

2. Conforto na Provisão. Estamos falando sobre o conforto que a providência de Deus, em Jesus Cristo, nos oferece. Qual é a base da nossa confiança em Jesus Cristo como nosso fiel Salvador? Confiamos na provisão e suficiência da sua morte substitutiva, “que ao preço de seu próprio sangue pagou totalmente por todos os meus pecados”.  O Ap. Pedro afirma: “Sabendo que não foi mediante coisas corruptíveis como prata ou ouro, que fostes resgatados do vosso fútil procedimento que os vossos pais vos legaram, mas pelo precioso sangue, como de cordeiro sem defeito e sem mácula, o sangue de Cristo” (1Pe 1:18-19). A doutrina da nossa redenção é indizivelmente preciosa, porque, como pecadores, pertencíamos ao senhor das trevas, a  saber, o diabo; mas Cristo interveio e pagou o preço do nosso livramento. Por isso, o Catecismo enfatiza: “Não pertenço a mim mesmo (e nem às trevas), mas, ao meu fiel Salvador, Jesus Cristo”.  Agora, qual é o nosso dever? O Apóstolo  responde: “Porque fostes comprados por preço,  agora, pois, glorificai a Deus no vosso corpo” (1Co. 6:20). Mas, devemos fazer mais uma pergunta: Qual é a eficácia moral e espiritual do sacrifício de Jesus Cristo? O Catecismo responde: Que Cristo “me libertou completamente do domínio do pecado”. O Catecismo não está dizendo que fomos libertados do pecado a ponto de não pecarmos mais, antes, está falando sobre o domínio, a tirania do pecado. Antes do nosso encontro libertador com Cristo, o domínio, a presença do pecado, caracterizava a totalidade do nosso procedimento; “ a concupiscência (ambições) da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida” (1Jo. 2:16). Éramos “mais amigos dos prazeres do que de Deus” (2Tm. 3:4). Mas desta escravidão, Deus “nos libertou do império das trevas e nos transportou para o reino do Filho de seu amor, no qual temos a redenção, a remissão dos pecados” (Cl. 1:13-14). Nesse novo estado, o domínio, o controle do pecado, perdeu a sua força; por isso, o Apóstolo podia afirmar: “Porque o pecado não terá domínio sobre vós; pois não estais debaixo da lei e sim da graça” (Rm. 6:14). Um novo princípio, a graça de Deus, está operando em nós. O Apóstolo explicou: “Porquanto o que fora impossível à lei, no que estava enferma pela carne, isto é, Deus enviando o seu próprio Filho em semelhança de carne pecaminosa e no tocante ao pecado; e, com efeito, condenou Deus, na carne, o pecado a fim de que o preceito da lei se cumprisse em nós,  que não andamos segundo a carne, mas segundo o Espírito” (Rm. 8:3-4). Por causa do Espírito que habita em nós, o pecado não tem domínio, não tem controle absoluto sobre nós. “Pois todos os que são guiados pelo Espírito de Deus são filhos de Deus” (Rm. 8:14). Sim, as providências de Deus em nosso favor são uma fonte de conforto espiritual.

3. Conforto na Proteção. Esta proteção é espiritual e não necessariamente física; embora Deus fosse servido, em muitas ocasiões, ter nos libertado de diversos perigos, (At. 12:11). O Apóstolo no conforta, dizendo: “Sois guardados pelo poder de Deus, para a salvação preparada para revelar-se no último tempo” (1Pe. 1:5). E, para garantir essa proteção espiritual, o Catecismo afirma: “Deus me protege tão bem, que, contra a vontade de meu Pai no céu, não perderei nem um fio de cabelo”. Quando Cristo falou sobre essa proteção, o contexto foi de perseguição, traições e morte física. Sim, todas essas coisas podem acontecer aos fiéis a Deus, porém, somente com a sua soberana permissão. Uma das doutrinas que temos de aprender e aceitar, com um coração agradecido, é a soberania de Deus. Ele é o Rei de toda a terra. Ele se assenta no seu santo trono,  controlando, soberanamente, todos os movimentos dentro dos reinos (Sl. 47:6-9). Quando conseguimos acreditar nessa verdade, o nosso coração se enche cheio de conforto e de gratidão.

O Catecismo continua  falando sobre o conforto espiritual  que a soberania de Deus nos confere: “Na verdade tudo coopera para o meu bem e a minha salvação”. Vejam como o Apóstolo fala sobre a mesma  verdade: “Sabemos que todas as coisas cooperam  para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito” (Rm. 8:28). Com essa certeza na soberania de Deus, o Apóstolo podia desafiar qualquer pessoa a responder o  contrário: “Quem nos separará do amor de Cristo? Será tribulação, ou angústia, ou perseguição, ou fome, ou nudez, ou perigo, ou espada? Como está escrito: Por amor de ti, somos entregues à morte o dia todo, fomos considerados como ovelhas ao matadouro. Em todas estas coisas, porém, somos mais que vencedores por meio daquele que nos amou” – Jesus Cristo, (Rm, 8:35-37). Mas, antes de terminar, devemos mencionar algo sobre as restrições desse texto em Romanos. O fato de que todas as coisas, boas ou ruins, cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que pertencem única e exclusivamente a Ele, significa que essa promessa, de necessidade, exclui os que não pertencem a Deus, que não crêem em Jesus Cristo. Quando as coisas negativas acontecem aos descrentes, em vez de cooperarem para o bem deles, elas os preparam para vislumbrar o juízo vindouro. O nosso conforto espiritual fica enriquecido sabendo que o Senhor “distingue para si o piedoso” (Sl. 4:3).

4. Conforto na Promissão. A promessa do Espírito Santo é mais uma verdade preciosa que contribui para o nosso conforto espiritual, porque é Ele que “me garante a vida eterna”. Como? “O próprio Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus” – e, portanto, herdeiros da vida eterna, (Rm. 8:16-17). Somos ensinados que o Espírito Santo é o nosso Consolador. Ele nos consola, dirigindo-nos a Jesus Cristo, no qual temos toda a nossa suficiência. “Quando, porém, vier o Consolador, que eu vos enviarei da parte do Pai, o Espírito da verdade, que dele procede, esse dará testemunho de mim” (Jo. 15:26). Ele é, também, o nosso Auxiliador, aquele que está ao nosso lado para nos assistir “em nossa fraqueza, porque não sabemos orar (e nem realizar qualquer outro ato em nosso culto e serviço a Deus) como convém” (Rm. 8:26). Quando temos oportunidade para testemunhar da nossa fé em Cristo, nem sempre sabemos o que falar, mas, novamente, o Espírito Santo  traz à nossa memória o que convém falar, (Mc. 13:11).E, em nossa luta contra o assédio do pecado, o Espírito Santo está ao nosso lado para nos auxiliar a sufocar a tentação. “Porque se viverdes segundo a carne, caminhais para a morte; mas, se, pelo Espírito, mortificardes os feitos do corpo, certamente vivereis” (Rm. 8:13). Enfim, é o Espírito Santo que nos conforta e auxilia em todas as áreas da nossa vida, para que alcancemos  um padrão santo e irrepreensível.

O Catecismo nos mostra mais uma promessa preciosa: “O Espírito Santo... me torna disposto a viver para Ele daqui em diante, de todo o coração”. O Apóstolo descreve essa disposição usando estas palavras: “Quanto a vós outros, todavia, ó amados, estamos persuadidos das coisas que são melhores e pertencentes à salvação, ainda que falamos desta maneira. Porque Deus não é injusto para ficar esquecido do vosso trabalho e do amor que evidenciastes para com o seu nome, pois servistes e ainda servis aos santos. Desejamos, porém, continue cada um de vós, mostrando, até ao fim, a  mesma diligência para a plena certeza da esperança, para que não vos torneis indolentes, mas imitadores daqueles que pela fé e pela longanimidade, herdam as promessas” (Hb.6:9-12). A chave dessa disposição: “Digo, porém: andai no Espírito e jamais satisfareis à concupiscência da carne” (Gl. 5:16). É o Espírito Santo que nos torna dispostos a viver e a perseverar na vida cristã. Por isso, o Apóstolo orava a Deus “para que, segundo a riqueza da sua glória, vos conceda que sejais fortalecidos com poder, mediante o seu Espírito no homem interior” (Ef. 3:15). Certamente poderíamos falar muito mais sobre o ministério do Espírito Santo na vida  dos que são redimidos pelo sangue de Jesus Cristo, mas temos que aguardar outra oportunidade.

Conclusão: O ministério dos Catecismos das Igrejas Reformadas tem ajudado e enriquecido a vida espiritual do povo de Deus na compreensão das Escrituras Sagradas. Que possamos valorizar a herança espiritual  que a Reforma do Século XVI nos legou. O Breve Catecismo da nossa Igreja, em sua primeira pergunta, fala do nosso dever diante de Deus e responde: “ O fim principal do homem é glorificar a Deus e gozá-lo (ter prazer nele) para sempre”. E a primeira pergunta do Catecismo de Heidelberg fala sobre o conforto espiritual que temos em Cristo Jesus. “O meu único conforto é que – corpo e alma, na vida e na morte – não pertenço a mim mesmo, mas ao meu fiel Salvador, Jesus Cristo”. Observemos a seqüência nas respostas destes dois Catecismos: primeiro, o  cumprimento do nosso dever para com Deus, e a recompensa será um conforto, uma certeza em nossa experiência espiritual, na vida e na morte. Esse conforto pode ser traduzido em termos de paz. “Todos os  filhos serão ensinados pelo Senhor; e será grande a paz de seus filhos” (Is. 54:13). Lembrando de uma maneira especifica que Jesus Cristo “ é nossa paz” (Ef. 2:14).


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