Rev. Ivan G. G. Ross
A
nossa leitura vem do Catecismo de Heidelberg, a pergunta e a resposta número
um. Esse Catecismo foi formulado em 1563, aproximadamente 83 anos antes do
Breve Catecismo da nossa Igreja Presbiteriana. Notemos que a ênfase desta
pergunta introdutória nos aponta para o conforto espiritual do cristão. Outro
ponto interessante nesse Catecismo é que todas as perguntas são dirigidas a um
indivíduo no singular da terceira pessoa: “Qual é o seu conforto?”. E este
sempre responde na primeira pessoa do singular: “O meu único conforto é”. Vamos
ouvir a leitura do Catecismo para o nosso estudo.
Pergunta:
“Qual é o seu único conforto na vida e na morte?”
Resposta:
“O meu único conforto é que – corpo e alma, na vida e na morte – não pertenço a
mim mesmo, mas ao meu fiel Salvador, Jesus Cristo, que ao preço de seu próprio
sangue pagou totalmente por todos os meus pecados e me libertou completamente
do domínio do pecado. Ele me protege tão bem que, contra a vontade de meu Pai,
no céu, não perderei nem um fio de cabelo. Na verdade, tudo coopera para o meu
bem e para a minha salvação. Portanto, pelo seu Espírito Santo, Ele me garante
a vida eterna e me torna disposto a viver para Ele daqui em diante, de todo o
coração”.
A
fim de facilitar a compreensão da resposta, dividimos o assunto em quatro
pontos acessíveis.
1.
Conforto na Profissão. Estamos professando qual é o nosso conforto
espiritual. “O meu conforto é que – corpo e alma, na vida e na morte – não
pertenço a mim mesmo, mas ao meu fiel Salvador, Jesus Cristo”. Observamos o que
o Catecismo está afirmando:
O
nosso ser é composto de duas partes identificáveis: corpo físico e alma
invisível. Em todas as nossas atividades e atitudes, essas duas partes estão
presentes. Para amar o Senhor, nosso Deus, temos que usar essas duas partes;
somos uma unidade. Com o corpo, realizamos os desejos da alma. Assim, somos
exortados para apresentar o nosso corpo vivo, santo e agradável a Deus, que é o
nosso culto racional (Rm. 12:1). Juntamente com o nosso corpo, manifestamos o
desejo da nossa alma. “Servi ao Senhor com alegria (com o que a alma sente),
apresentai-vos diante dele (corpo e alma) com cânticos” (Sl. 100:2). Culto a
Deus sempre envolve a totalidade do nosso ser, corpo e alma.
E,
semelhantemente, o nosso ser tem duas experiências: vida e morte; temos um
início e teremos um dia final. Portanto, os interesses desta vida devem estar
nos conduzindo e nos preparando para a morte que está se aproximando,
inexoravelmente. Mas, depois da morte, o quê? E, assim como aos homens está
ordenado a morrerem uma só vez, vindo depois disto, o juízo”(Hb. 9:27). Por
causa da morte e do juízo vindouro, entendemos a razão da pergunta: “Qual é o
seu único conforto na vida e na morte?”. Aquele que crê em Jesus Cristo como o
seu Salvador, pode responder, confiantemente: “O meu único conforto é que ... não pertenço a mim mesmo, mas ao
meu fiel Salvador, Jesus Cristo”. A
nossa vida não está em nossas próprias mãos, que jamais poderiam nos salvar,
mas, sim, na mão do nosso fiel Salvador,
que garantiu às suas ovelhas: “Eu lhes dou a vida eterna; jamais perecerão e
ninguém as arrebatará da minha mão” (Jo. 10:28). Eis o conforto que temos em
Cristo Jesus.
2.
Conforto na Provisão. Estamos falando sobre o conforto que a providência de
Deus, em Jesus Cristo, nos oferece. Qual é a base da nossa confiança em Jesus
Cristo como nosso fiel Salvador? Confiamos na provisão e suficiência da sua
morte substitutiva, “que ao preço de seu próprio sangue pagou totalmente por
todos os meus pecados”. O Ap. Pedro
afirma: “Sabendo que não foi mediante coisas corruptíveis como prata ou ouro,
que fostes resgatados do vosso fútil procedimento que os vossos pais vos
legaram, mas pelo precioso sangue, como de cordeiro sem defeito e sem mácula, o
sangue de Cristo” (1Pe 1:18-19). A doutrina da nossa redenção é indizivelmente
preciosa, porque, como pecadores, pertencíamos ao senhor das trevas, a saber, o diabo; mas Cristo interveio e pagou
o preço do nosso livramento. Por isso, o Catecismo enfatiza: “Não pertenço a
mim mesmo (e nem às trevas), mas, ao meu fiel Salvador, Jesus Cristo”. Agora, qual é o nosso dever? O Apóstolo responde: “Porque fostes comprados por
preço, agora, pois, glorificai a Deus no
vosso corpo” (1Co. 6:20). Mas, devemos fazer mais uma pergunta: Qual é a
eficácia moral e espiritual do sacrifício de Jesus Cristo? O Catecismo
responde: Que Cristo “me libertou completamente do domínio do pecado”. O
Catecismo não está dizendo que fomos libertados do pecado a ponto de não
pecarmos mais, antes, está falando sobre o domínio, a tirania do pecado. Antes
do nosso encontro libertador com Cristo, o domínio, a presença do pecado, caracterizava
a totalidade do nosso procedimento; “ a concupiscência (ambições) da carne, a
concupiscência dos olhos e a soberba da vida” (1Jo. 2:16). Éramos “mais amigos
dos prazeres do que de Deus” (2Tm. 3:4). Mas desta escravidão, Deus “nos
libertou do império das trevas e nos transportou para o reino do Filho de seu
amor, no qual temos a redenção, a remissão dos pecados” (Cl. 1:13-14). Nesse
novo estado, o domínio, o controle do pecado, perdeu a sua força; por isso, o Apóstolo
podia afirmar: “Porque o pecado não terá domínio sobre vós; pois não estais
debaixo da lei e sim da graça” (Rm. 6:14). Um novo princípio, a graça de Deus,
está operando em nós. O Apóstolo explicou: “Porquanto o que fora impossível à
lei, no que estava enferma pela carne, isto é, Deus enviando o seu próprio
Filho em semelhança de carne pecaminosa e no tocante ao pecado; e, com efeito,
condenou Deus, na carne, o pecado a fim de que o preceito da lei se cumprisse
em nós, que não andamos segundo a carne,
mas segundo o Espírito” (Rm. 8:3-4). Por causa do Espírito que habita em nós, o
pecado não tem domínio, não tem controle absoluto sobre nós. “Pois todos os que
são guiados pelo Espírito de Deus são filhos de Deus” (Rm. 8:14). Sim, as
providências de Deus em nosso favor são uma fonte de conforto espiritual.
3.
Conforto na Proteção. Esta proteção é espiritual e não necessariamente
física; embora Deus fosse servido, em muitas ocasiões, ter nos libertado de
diversos perigos, (At. 12:11). O Apóstolo no conforta, dizendo: “Sois guardados
pelo poder de Deus, para a salvação preparada para revelar-se no último tempo”
(1Pe. 1:5). E, para garantir essa proteção espiritual, o Catecismo afirma:
“Deus me protege tão bem, que, contra a vontade de meu Pai no céu, não perderei
nem um fio de cabelo”. Quando Cristo falou sobre essa proteção, o contexto foi
de perseguição, traições e morte física. Sim, todas essas coisas podem
acontecer aos fiéis a Deus, porém, somente com a sua soberana permissão. Uma
das doutrinas que temos de aprender e aceitar, com um coração agradecido, é a
soberania de Deus. Ele é o Rei de toda a terra. Ele se assenta no seu santo
trono, controlando, soberanamente, todos
os movimentos dentro dos reinos (Sl. 47:6-9). Quando conseguimos acreditar nessa
verdade, o nosso coração se enche cheio de conforto e de gratidão.
O
Catecismo continua falando sobre o
conforto espiritual que a soberania de
Deus nos confere: “Na verdade tudo coopera para o meu bem e a minha salvação”.
Vejam como o Apóstolo fala sobre a mesma
verdade: “Sabemos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles
que são chamados segundo o seu propósito” (Rm. 8:28). Com essa certeza na
soberania de Deus, o Apóstolo podia desafiar qualquer pessoa a responder o contrário: “Quem nos separará do amor de
Cristo? Será tribulação, ou angústia, ou perseguição, ou fome, ou nudez, ou
perigo, ou espada? Como está escrito: Por amor de ti, somos entregues à morte o
dia todo, fomos considerados como ovelhas ao matadouro. Em todas estas coisas,
porém, somos mais que vencedores por meio daquele que nos amou” – Jesus Cristo,
(Rm, 8:35-37). Mas, antes de terminar, devemos mencionar algo sobre as
restrições desse texto em Romanos. O fato de que todas as coisas, boas ou
ruins, cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que pertencem
única e exclusivamente a Ele, significa que essa promessa, de necessidade,
exclui os que não pertencem a Deus, que não crêem em Jesus Cristo. Quando as
coisas negativas acontecem aos descrentes, em vez de cooperarem para o bem
deles, elas os preparam para vislumbrar o juízo vindouro. O nosso conforto
espiritual fica enriquecido sabendo que o Senhor “distingue para si o piedoso”
(Sl. 4:3).
4.
Conforto na Promissão. A promessa do Espírito Santo é mais uma verdade
preciosa que contribui para o nosso conforto espiritual, porque é Ele que “me
garante a vida eterna”. Como? “O próprio Espírito testifica com o nosso
espírito que somos filhos de Deus” – e, portanto, herdeiros da vida eterna,
(Rm. 8:16-17). Somos ensinados que o Espírito Santo é o nosso Consolador. Ele
nos consola, dirigindo-nos a Jesus Cristo, no qual temos toda a nossa suficiência.
“Quando, porém, vier o Consolador, que eu vos enviarei da parte do Pai, o
Espírito da verdade, que dele procede, esse dará testemunho de mim” (Jo.
15:26). Ele é, também, o nosso Auxiliador, aquele que está ao nosso lado para
nos assistir “em nossa fraqueza, porque não sabemos orar (e nem realizar
qualquer outro ato em nosso culto e serviço a Deus) como convém” (Rm. 8:26).
Quando temos oportunidade para testemunhar da nossa fé em Cristo, nem sempre
sabemos o que falar, mas, novamente, o Espírito Santo traz à nossa memória o que convém falar, (Mc.
13:11).E, em nossa luta contra o assédio do pecado, o Espírito Santo está ao nosso
lado para nos auxiliar a sufocar a tentação. “Porque se viverdes segundo a
carne, caminhais para a morte; mas, se, pelo Espírito, mortificardes os feitos
do corpo, certamente vivereis” (Rm. 8:13). Enfim, é o Espírito Santo que nos
conforta e auxilia em todas as áreas da nossa vida, para que alcancemos um padrão santo e irrepreensível.
O Catecismo
nos mostra mais uma promessa preciosa: “O Espírito Santo... me torna disposto a
viver para Ele daqui em diante, de todo o coração”. O Apóstolo descreve essa
disposição usando estas palavras: “Quanto a vós outros, todavia, ó amados,
estamos persuadidos das coisas que são melhores e pertencentes à salvação,
ainda que falamos desta maneira. Porque Deus não é injusto para ficar esquecido
do vosso trabalho e do amor que evidenciastes para com o seu nome, pois
servistes e ainda servis aos santos. Desejamos, porém, continue cada um de vós,
mostrando, até ao fim, a mesma
diligência para a plena certeza da esperança, para que não vos torneis
indolentes, mas imitadores daqueles que pela fé e pela longanimidade, herdam as
promessas” (Hb.6:9-12). A chave dessa disposição: “Digo, porém: andai no Espírito
e jamais satisfareis à concupiscência da carne” (Gl. 5:16). É o Espírito Santo
que nos torna dispostos a viver e a perseverar na vida cristã. Por isso, o
Apóstolo orava a Deus “para que, segundo a riqueza da sua glória, vos conceda
que sejais fortalecidos com poder, mediante o seu Espírito no homem interior”
(Ef. 3:15). Certamente poderíamos falar muito mais sobre o ministério do
Espírito Santo na vida dos que são
redimidos pelo sangue de Jesus Cristo, mas temos que aguardar outra
oportunidade.
Conclusão:
O ministério dos Catecismos das Igrejas Reformadas tem ajudado e enriquecido a
vida espiritual do povo de Deus na compreensão das Escrituras Sagradas. Que
possamos valorizar a herança espiritual
que a Reforma do Século XVI nos legou. O Breve Catecismo da nossa
Igreja, em sua primeira pergunta, fala do nosso dever diante de Deus e
responde: “ O fim principal do homem é glorificar a Deus e gozá-lo (ter prazer
nele) para sempre”. E a primeira pergunta do Catecismo de Heidelberg fala sobre
o conforto espiritual que temos em Cristo Jesus. “O meu único conforto é que –
corpo e alma, na vida e na morte – não pertenço a mim mesmo, mas ao meu fiel
Salvador, Jesus Cristo”. Observemos a seqüência nas respostas destes dois
Catecismos: primeiro, o cumprimento do nosso
dever para com Deus, e a recompensa será um conforto, uma certeza em nossa
experiência espiritual, na vida e na morte. Esse conforto pode ser traduzido em
termos de paz. “Todos os filhos serão
ensinados pelo Senhor; e será grande a paz de seus filhos” (Is. 54:13).
Lembrando de uma maneira especifica que Jesus Cristo “ é nossa paz” (Ef. 2:14).
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