Vasos de Honra

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

DO LIVRE ARBÍTRIO – CONFISSÃO DE FÉ CAP. IX


(A CAPACIDADE PARA ESCOLHER O QUE DESEJAMOS)

Rev. Ivan G. G. Ross

Texto Bíblico: “Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra” (2Tm 3:16-17).

O Motivo do Estudo: Existem muitas confusões e discórdias a respeito do “Livre Arbítrio”.  Contudo, cremos que a Bíblia tem ensinos claros e exemplos práticos sobre essa parte essencial da constituição humana. Portanto, como pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil, quero reafirmar a minha plena aceitação do primeiro artigo no capítulo primeiro da nossa Constituição: “A Igreja Presbiteriana do Brasil é uma federação de igrejas locais, que adota como única regra de fé e prática as Escrituras Sagradas do Velho e do Novo Testamento e como sistema expositivo de doutrina e prática a sua Confissão de Fé e os Catecismos Maior e Breve...”. E, no ato da nossa ordenação para o ministério da Palavra de Deus, confessamos diante de Deus e da Igreja reunida, que cremos sinceramente na veracidade das Escrituras Sagradas e da Confissão de Fé e seus dois Catecismos. Portanto, ao comentar sobre o “Livre Arbítrio”, seguiremos a direção da nossa Confissão de Fé, porque cremos que ela oferece uma “fiel exposição do sistema de doutrina ensinado nas Santas Escrituras”. Como alguém disse: “Devemos voltar às raízes doutrinárias da nossa Igreja”.

1. A Natureza do Livre Arbítrio. “Deus dotou a vontade do homem de tal liberdade natural, que ela nem é forçada para o bem nem para o mal, nem a isso é determinada por qualquer necessidade absoluta de sua natureza.  Referências: Dt. 30:19; Jo. 7:17; Tg. 1:14; Ap. 22:17; Jo. 5:40. Parte 1ª.” Fazemos duas afirmações: O livre arbítrio é a faculdade que Deus nos concedeu para que possamos livremente o glorificar mediante as escolhas da nossa própria vontade. Quando tomamos uma decisão, estamos escolhendo entre outras opções, o que nós realmente queremos naquele momento. E, sabemos que a decisão tomada poderia ter sido outra, as circunstâncias sendo iguais. Por causa desse atributo, Deus coloca diante de nós desafios para que usemos a nossa capacidade para escolher. Ele deu a Adão o desafio para escolher entre duas árvores, mas, primeiro, dando-lhe a devida orientação para estimular a decisão certa. Se escolhesse o fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, o resultado seria a morte, separação de Deus. “E o Senhor Deus lhe deu esta ordem: De toda árvore do jardim comerás livremente (inclusive da árvore da vida), mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás; porque, no dia em que dela comeres, certamente morrerás” (Gn 2: 16-17).  E, embora não seja explícito, porém, implícito, se tivesse escolhido da árvore da vida, teriam uma vida de perfeição, confirmada para todo o sempre, (Gn 3:24). Por causa do livre arbítrio, Deus não impediu a escolha para comer do fruto da árvore proibida, por isso, Adão e Eva tinham que sofrer as conseqüências da sua decisão infeliz. Esse princípio continua em pleno vigor até os nossos dias. “Não vos enganeis: de Deus não se zomba; pois o que o homem semear, isso também ceifará” (Gl. 6:7). Esse atributo nunca foi revogado, por isso, Deus continua apelando para a nossa capacidade para escolher responsavelmente. “Os céus e a terra tomo, hoje, por testemunhas contra ti, que te propus a vida e a morte, a benção e a maldição; escolhe, pois, a vida, para que vivas tu e a tua descendência, amando o Senhor, teu Deus, dando ouvidos à sua voz e apegando-te a ele; pois disto depende a tua vida e a tua longevidade” (Dt. 30:19-20).

A definição da palavra “livre”. Ser livre para escolher alguma coisa significa que podemos realmente agir de acordo com o desejo do momento. Ninguém escolhe algo contra a sua própria vontade. “Temos tal liberdade natural, que ela nem é forçada para o bem nem para o mal”. Adão e Eva agiram de acordo com essa “liberdade natural”. Não há necessidade para incluir os propósitos de Deus nesse assunto. Se Ele estivesse agindo a decisão do casal não teria sido verdadeiramente livre, visto que a ação de Deus teria sido uma influência formativa na decisão. Todos nós somos dotados com propriedades, ou, instintos, que são necessários para a nossa sobrevivência, porém, no uso dessas capacidades “nem a isso é determinada por qualquer necessidade absoluta de sua natureza”. Não somos obrigados a usar esses instintos indiscriminadamente. Esses dons foram concedidos para que sejam administrados para a glória de Deus. “Portanto, quer comais, quer bebais ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a glória de Deus” (1Co. 10:31). O livre arbítrio, em sua forma original, recebeu o louvor divino. “ Viu Deus tudo quanto fizera, e eis que era muito bom” (Gn 1:31).    

2. O Homem no Estado de Inocência.  “O homem, em seu estado de inocência, tinha a liberdade e o poder de querer e fazer aquilo que é bom e agradável a Deus, mas, mutavelmente, de sorte que pudesse cair dessa liberdade e poder. Referências: Gn. 1:26; Gn 2:16-17; Gn 3:6; Ex 7:29. Parte 2ª”. Deus criou o homem sem nenhum defeito, tanto na área espiritual bem como na área moral, uma retidão imaculada. Ele foi vestido com “o poder de querer fazer aquilo que é bom e agradável a Deus, mas, mutavelmente, de sorte que pudesse cair dessa liberdade e poder”. Entendemos que essa frase se refere a um tempo probatório, um período no qual Adão e Eva teriam de provar, mediante uma escolha específica, a sua lealdade à liderança de Deus em suas vidas. Essa prova foi feita de uma maneira simples e prática, através de uma escolha de preferência entre as duas árvores específicas que cresciam no Jardim do Éden. Sabemos que o casal extrapolou a sua liberdade, o que resultou numa mudança negativa em seu caráter moral, perdendo a sua retidão original, que lhe dava pleno acesso à presença de Deus. Num sentido, todos nós nascemos dentro daquele estado probatório, temos que escolher a quem serviremos. “Então Elias se chegou a todo o povo e disse: Até quando coxeareis entre dois pensamentos? Se o Senhor é Deus, segui-o; se é Baal, segui-o. Porém o povo nada respondeu” (1Rs 18:21). O silêncio do povo demonstrou a sua rebeldia, pois no fundo do coração, queriam continuar seguindo a sua própria vontade. O silêncio jamais inocentará a ninguém. Temos que tomar aquela decisão imperativa: a quem seguiremos e à quem obedeceremos. Jesus convida a todos: “Em verdade, em verdade vos digo: quem crê em mim tem a vida eterna. Eu sou o pão da vida” (Jo. 6:47-48). Cristo é o Doador e o Sustentador da vida espiritual de seu povo.

3. O Homem no Estado do Pecado. “O homem, ao cair em pecado, perdeu inteiramente todo o poder de vontade quanto a qualquer bem espiritual que acompanhe a salvação; de sorte que um homem natural, inteiramente avesso a esse bem e morto no pecado, é incapaz de, pelo seu próprio poder, converter-se ou mesmo preparar-se para isso. Referência. Rm. 5:6 e 8:7-8; Jo. 15:5; Rm. 3:9, 12, 23; Ef. 2:1-5; Cl 2:13; Jo. 6:44, 65; 1Co. 2:14; Tt. 3:3-5. Parte 3ª”. Quando o homem  pecou, ele não perdeu o seu livre arbítrio; ele continua escolhendo o que ele realmente quer. Em termos temporais, o homem está livre para escolher seu estilo de vida. Ele não é obrigado a fazer nenhuma coisa que fere os seus princípios normais. Pode escolher a sua profissão, casar-se, divertir-se ou qualquer outra coisa de acordo com as suas inclinações e desejos. A sociedade secular funciona seguindo as tendências de cada um. Por outro lado, ele não é obrigado, forçosamente, a envolver-se em nenhuma dessas coisas.

Temos falado sobre a liberdade natural do homem, sem referir-se a seu estado religioso. Agora, vamos meditar sobre o efeito do pecado sobre a vida espiritual do homem. Ele não perdeu o seu livre arbítrio; o que ele perdeu foi o poder de usá-lo para o seu próprio bem espiritual. “O homem, ao cair no pecado, perdeu inteiramente todo o poder de vontade quanto a qualquer bem espiritual que acompanhe a salvação”. O pecado, essa nova influência que entrou na vida do homem, é o poder que determina a natureza de suas escolhas. Eles são agora “mais amigos dos prazeres que amigos de Deus” (2Tm. 3:4). Não podem escolher nada que se refere a seu melhoramento espiritual; não podem, porque não querem. “Porquanto, tendo conhecimento de Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças, antes, se tornaram nulos em seus próprios raciocínios, obscurecendo-se-lhes o coração insensato” (Rm. 1:21). Qual foi a conseqüência dessa negligência do conhecimento de Deus? “E, por haverem desprezado o conhecimento de Deus, o próprio Deus os entregou a uma disposição mental reprovável, para praticarem cousas inconvenientes, cheios de toda injustiça, malícia, avareza e maldade” (Rm. 1:28-29). “De sorte, que um homem natural, inteiramente avesso a esse bem (tais como desejos de salvação), é morto no pecado, e incapaz de, pelo seu próprio poder, converter-se ou mesmo preparar-se para isso”. O homem ainda tem o livre arbítrio, porém, no estado de pecado, esse arbítrio é usado para alimentar a sua própria vontade, e, por conseqüência, a sua oposição a qualquer valor espiritual.

Como é que Deus resolveu esse impasse? Se tudo dependesse do livre arbítrio do homem, ninguém seria salvo, visto que todas as suas escolhas inclinam-se para o seu próprio egoísmo, que o afasta de Deus. Esse problema foi resolvido mediante uma intervenção soberana da parte de Deus, elegendo e convertendo um “povo de propriedade exclusiva de Deus”. Como o Apóstolo comentou: “Se o Senhor dos Exércitos não nos tivesse deixado descendência, ter-nos-íamos tornado como Sodoma e semelhantes a Gomorra”, entregues à destruição. E, outra vez: “Assim, pois,  também agora, no tempo de hoje, sobrevive um remanescente segundo a eleição da graça” (Rm. 11:15). Graças a Deus, alguns são salvos, “não por obras de justiça praticadas por nós, mas segundo a sua misericórdia, ele nos salvou mediante o lavar regenerador e renovador do Espírito Santo” (Tt. 3:5).

4. O Homem no Estado de Graça. “Quando Deus converte um pecador e o transfere para o estado de graça, ele o liberta de sua natural escravidão ao pecado e, somente por sua graça, o habilita a querer e a fazer, com toda liberdade, o que é espiritualmente bom, mas isso de tal modo que,  por causa da corrupção ainda existente nele, o pecador não faz o bem perfeitamente, nem deseja somente o que é bom, mas, também, o que é mau. Referência. Cl. 1:13; Jo. 8:34,36; Fp. 2:13; Rm. 6:18,22; Gl.5:17; Rm. 7:15,21-23; 1Jo. 1:8,10. Parte 4ª”. Começamos fazendo uma pergunta prática. Como é que Deus converte um pecador? Sem preocupar-nos com colocações teológicas, vamos apresentar, de maneira acessível, o que a Bíblia enfatiza. Somos convertidos pelo ouvir da Palavra de Deus. “A fé vem pela pregação, e a pregação, pela palavra de Cristo” (Rm. 10:16). Não devemos subestimar o poder das Escrituras. “Porque a palavra de Deus é viva, e eficaz, e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes, e penetra até ao ponto de dividir a alma e espírito, juntas e medulas, e é apta para discernir os pensamentos e propósitos do  coração” (Hb. 4:12). É Deus que nos dá a oportunidade para ouvir o evangelho para que usemos a nossa vontade para crer na mensagem de Cristo. Por isso, o Apóstolo explica: “Depois que ouvistes a palavra da verdade, o evangelho da vossa salvação, tendo nele também crido, fostes selados com o Santo Espírito da promessa; o qual é o penhor da nossa herança, até ao resgate da sua propriedade, em louvor da sua glória” (Ef. 1:13-14). Note a seqüência que  opera na conversão de um pecador: ouvir, crer, e, tendo crido, a nossa fé é selada com o dom do Espírito Santo, a garantia da nossa salvação. Não existe nenhum outro meio para alcançar e converter o pecador, senão pelo ouvir do evangelho. Por que alguns ouvintes da Palavra não se convertem? Porque eles não crêem na mensagem ouvida, preferindo, acomodadamente, continuar praticando seu próprio estilo de vida pecaminoso. “Os homens amam mais as trevas do que a luz” (Jo. 3:19). Vamos entender e crer que Deus tem uma única maneira para comunicar a sua vontade ao mundo: é sempre mediante a pregação da sua Palavra; por isso, a insistência: “Prega a palavra, insta, quer seja oportuno, quer não, corrige, repreende, exorta com toda a longanimidade” (2Tm. 4:2). Eis o método bíblico para que Deus possa converter o pecador.

O que acontece quando alguém se converte? “Quando Deus converte um pecador e o transfere para o estado de graça, ele o liberta de sua natural escravidão ao pecado e, somente por sua graça, o habilita a querer e a fazer, com toda a liberdade, o que é espiritualmente bom”. O livre arbítrio continua agindo em sua vida, mas, agora, com o auxílio do Espírito Santo, ele procura escolher somente o que agrada a Deus. A conversão efetua uma verdadeira mudança em nossa disposição espiritual: “Ele (Deus o Pai) nos libertou do império das trevas e nos transportou para o reino do Filho do seu amor”(Cl. 1:13). Eis a evidência prática dessa mudança: “Assim, se alguém está (crê) em Cristo, é nova criatura; as coisas velhas passaram; eis que se fizeram novas” (2Co. 5:17). O convertido foge do pecado.

As limitações da nossa conversão. Apesar da mudança visível que a nossa conversão promove, a nossa habilidade para escolher nem sempre age como convém. “Por causa da corrupção ainda existente nele, o pecador não faz o bem perfeitamente, nem deseja somente o que é bom, mas, também, o que é mau”. Cada cristão reconhece a realidade desse conflito espiritual e a luta entre o bem e o mal. Por isso, o Apóstolo, descrevendo essa “corrupção ainda existente” na vida do homem convertido, disse: “Porque a carne milita contra o Espírito, e o Espírito contra a carne, porque são opostos entre si; para que não façais, o que porventura, seja do vosso querer”. Podemos vencer essa luta porque é o Espírito Santo que nos dá o “poder de querer e de fazer aquilo que é bom e agradável a Deus”. Eis a exortação: “Digo, porém, andai no Espírito (obedecei às suas indicações) e jamais satisfareis a concupiscência da carne” (Gl. 5:16-17).   Por isso, a Bíblia está tão cheia de exortações, apelando para a nossa capacidade para escolher o que Deus requer de seu povo. Temos que agir como “filhos da obediência” (1Pe. 1:14).

5. O Homem no Estado de Glória. “É no estado de glória que a vontade do homem se tornará perfeita e imutavelmente livre para o bem só. Referências. Ap. 22:3-4; Hb. 13:23; 1Jo. 3:2; Jd. 24; Sl 16:11;17:15; 23:6.  Parte 5ª”. Porque o Apóstolo escreveu: “Ora, de um e outro lado, estou constrangido, tendo o desejo de partir e estar com Cristo, o que é incomparavelmente melhor.” (Fp 1:23). Certamente, ele tinha diversas razões. Mas, talvez a razão principal foi o desejo de ser definitivamente liberto de todos os pecados restantes que ainda existiam nele; um anseio de estar no meio “dos justos aperfeiçoados” (Hb. 12:23). Todos os salvos que têm ânsias por uma vida  aperfeiçoada têm a mesma experiência do Ap. Paulo: “E, por isso, neste tabernáculo, gememos (por causa da corrupção que ainda age em nossa vida), aspirando por sermos revestidos da nossa habitação celestial” (2Co. 5:2). Como será essa “habitação celestial”? O Ap. João nos dá este relance: “Amados, agora, somos filhos de Deus, e ainda não se manifestou o que haveremos de ser. Sabemos que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque haveremos de vê-lo como ele é” (1Jo. 3:2). E, no livro do Apocalipse, temos esta esperança: No céu “os servos (do Senhor) o servirão, contemplarão a sua face, e na sua fronte está o nome dele” (Ap. 22:3-4). O Ap. Pedro nos faz lembrar de uma verdade preciosa: “Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que, segundo a sua muita misericórdia, nos regenerou para uma viva esperança, mediante a ressurreição de Jesus Cristo dentro os mortos, para uma herança incorruptível, reservada nos céus para vós outros que sois guardados pelo poder de Deus, mediante a fé para a salvação preparada para revelar-se  no último tempo” (1Pe. 1:3-5). Essa “viva esperança” nos prepara para o estado de glória, quando “a vontade do homem se tornará perfeita e imutavelmente livre para o bem só”. E, enquanto aguardamos o nosso chamado para a glória, temos esta promessa: “Bondade e misericórdia certamente me seguirão todos os dias da minha vida; e habitarei na Casa do Senhor para todo o sempre” (Sl. 23:6). O Salmista tinha esta confiança: “Eu, porém, na justiça contemplarei a tua face; quando acordar, eu me satisfarei com a tua semelhança” (Sl. 17:15).


No ano de 1970, conversando com um pastor idoso e mui piedoso sobre o meu interesse na teologia dos reformadores, ele me deu este conselho, que procuro obedecer até hoje: Sim, devemos ter uma base sólida na teologia dos reformadores, mas, no púlpito, a Igreja não quer ouvir Teologia Sistemática, antes, ela quer ouvir a voz de Deus falando através das Escrituras Sagradas, pois, por meio delas, os ouvintes podem tornar-se sábios para a salvação pela fé em Jesus Cristo (2Tm. 3:15). Que esse conselho seja mais praticado nos púlpitos das nossas Igrejas.

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